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COP26 Vista do Lado de Cá: A Participação de Lideranças e Grupos Periféricos na Conferência do Clima



Esta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre impactos climáticos e ação afirmativa nas favelas cariocas.


Entre os dias 1 e 12 de novembro foi realizada a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), em Glasgow, na Escócia, recebendo autoridades de diversos países, membros da iniciativa privada e sociedade civil. A COP26 estava marcada inicialmente para 2020, mas devido à pandemia da Covid-19, foi remarcada para este ano.


Lideranças periféricas do Brasil também participaram da conferência e ocuparam este espaço com o objetivo de denunciar o racismo ambiental, reivindicar a descolonização do sistema e a justiça climática. Entre os presentes estavam membros da Coalizão Negra Por Direitos, PerifaConnection, Instituto Favela da Paz, Defensores do Planeta, EcoCiclo, além de jovens de favela que atuam como embaixadores da Organização das Nações Unidas (ONU).


A presença destas figuras contrasta com o perfil que tipicamente permeia encontros como esse. A participação de organizações periféricas coloca no centro do debate climático os indivíduos mais atingidos pelo desequilíbrio ambiental, decorrente do sistema econômico vigente.


Governo do Brasil x Ativistas da Quebrada


Às vésperas da COP26 dados alarmantes foram divulgados sobre o Brasil. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o país teve um aumento de 9,5% na emissão de gases de efeito estufa em 2020, o que vai no sentido oposto do restante do mundo, que teve uma redução global média de 7% nas emissões nesse período.


Representada pelo Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a missão da comitiva brasileira em Glasgow foi tentar passar a imagem de que existe uma visão “equivocada” sobre o país no combate ao aquecimento global. Para isso, um pavilhão luxuoso foi montado no evento, conforme relata a ativista Kamila Camilo para o ECOA UOL.


As críticas à forma como o governo brasileiro tem conduzido as políticas ambientais fizeram com que Jair Bolsonaro optasse em não comparecer à conferência. Durante o evento, o Brasil anunciou um reajuste de 43% para 50% na redução das emissões de gases de efeito estufa até 2030. A proposta, no entanto, não significa um avanço em relação as metas estabelecidas anteriormente pelo país.


Ao modificar o ano base a partir do qual o percentual é calculado, o governo brasileiro joga com os números para apresentar metas que aparentam ser maiores, mas, na verdade, mantém os índices estabelecidos seis anos atrás. Em dezembro do ano passado, quando o Acordo de Paris (2015) foi revisado, a proposta apresentada—redução de 43% nas emissões até 2030—era ainda pior, representando um retrocesso em relação à proposta assumida pelo país em 2015.


As metas apresentadas em dezembro foram taxadas de “pedalada climática”. Por conta disso, um grupo de jovens entrou com uma ação popular na Justiça Federal de São Paulo contra o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles, em abril deste ano. Marcelo Rocha, Daniel Augusto Holanda, Thalita Silva e Silva, Paloma Costa, Paulo Ricardo Brito Santos e Walelasoetxeige Suruí, responsáveis pela ação, são ativistas ambientais que integram duas organizações criadas e lideradas por jovens: o Engajamundo e o Fridays for Future (Sextas-Feiras pelo Futuro).


A participação do governo brasileiro na COP26 também rendeu críticas por conta da postura do Ministro do Meio Ambiente. Em seu discurso para a conferência, Joaquim Leite disse que “onde existe muita floresta também existe muita pobreza”. Em nota, a Coalizão Negra Por Direitos rebateu a fala: “Para nós, floresta em pé é gente viva. Onde existe floresta, tem vida. São os povos originários, comunidades tradicionais e quilombolas, entre muitos outros que vivem na floresta. São verdadeiras riquezas do Brasil. São os guardiões da floresta”.


Em contrapartida à postura da comitiva do governo, o pavilhão paralelo Brazil Climate Action Hub se consolidou como um espaço importante de encontro dos povos que lutam por mudanças reais na condução das políticas climáticas. Em certo sentido, o pavilhão ganhou status oficial de representante da delegação do Brasil, recebendo governadores, o Instituto Terra do fotógrafo Sebastião Salgado e promovendo propostas concretas contra o desmatamento, a favor das terras indígenas e quilombolas.


A conferência também foi marcada pelas manifestações organizadas pelos ativistas da quebrada junto a outros atores das periferias do mundo. No dia 5 de novembro, aconteceu um protesto organizado por jovens de várias partes do mundo. Já no sábado (6), o dia foi de marcha em prol da Ação Global por Justiça Climática.


Morador do Complexo do Alemão, na Zona Norte, Raull Santiago esteve na conferência representando o PerifaConection. Ele chegou em Glasgow uma semana antes do evento começar. A ideia era construir os protestos e diálogos com as demais organizações presentes na conferência. “Os ativistas, os grupos, os movimentos sociais ocupam a COP26 para garantir o futuro e para discutir essa agenda que é tão importante para o mundo e também para o Brasil, que tem a Amazônia, que tem o Pantanal, esses biomas tão ricos. A COP26 é o lugar para discutir o futuro a partir de agora. E a gente está presente, o Perifa está presente, a favela está presente”, relatou em vídeo publicado no Instagram.


Visão Carioca de 10 Anos de COP


Mauro Pereira, co-fundador do Defensores do Planeta, ONG que luta pela Serra do Mendanha desde 1999 e atua com as comunidades no seu entorno, na Zona Oeste do Rio, também esteve na COP26. Mauro participa das conferências COP desde a COP16 em 2010 em Cancún, México. Participa desde então falando da educação ambiental nas comunidades da Zona Oeste, e pressionando os atores da conferência com base no impacto climático já sentido no seu território. Mauro fez parte dos movimentos que pressionaram, na COP de Paris em 2015, pela educação sobre o clima (Artigo 12). Segundo ele, o acordo de Paris ia para além dos governos: é um acordo da sociedade civil também. Foi a partir de Paris inclusive que o Defensores do Planeta trouxe o debate sobre mudanças climáticas para suas iniciativas junto das comunidades e das escolas da Zona Oeste do Rio.


Este ano, na COP26 Mauro apresentou o exemplo desta iniciativa, de educação em mudanças climáticas realizado em escolas públicas, exemplo do uso do Artigo 12 de Paris, ao conhecimento dos participantes em alguns painéis. Apresentou também o Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática da Cidade do Rio de Janeiro. E pressionou ministros e representantes internacionais, como o secretário da OCDE, “para que não deem acento ao Brasil enquanto não respeita direitos humanos, os indígenas e o meio ambiente”. Teve a chance de visitar agricultores locais para aprender com suas experiências para trazer isso para seu território. E participou de um painel com lideranças comunitárias de Uganda e Nigéria, em uma troca fundamental com lideranças do Sul Global.


Comparando com as últimas conferências, Mauro avalia: “eu pude ver nesta COP que muitos líderes mundiais chegam nos seus aviões enormes lançando CO2 na atmosfera, para pousar para uma foto e fazer um lindo discurso para mostrar que estão ali. Fiquei muito triste ao ouvir da Austrália que não vai cortar carvão. Índia, também, pedindo para tirar do documento final a palavra final ‘eliminação’ do carvão. Isso mostra pra mim que este espaço já está um pouco desgastado, que é mais passível de palavras, discursos bonitos, do que ação. Saí desta COP frustrado com o acordo final. Foram afirmados acordos, mas desde a COP16 no México onde tivemos avanços, as autoridades estavam agindo um pouco mais, vejo que hoje estão pousando para uma foto, fazendo um lindo discurso, pensando mais na economia do que nas pessoas. Eu pude denunciar os impactos climáticos no meu território, que é um dos que vai mais sofrer os impactos das mudanças climáticas. Mas infelizmente as ações que os governos deveriam fazer estão caminhando a passos lentos. Esperava mais, pois estamos afinal numa emergência climática”.


Racismo Ambiental em Pauta


A participação do movimento negro na conferência ajudou a fortalecer a compreensão de que não é possível falar de meio ambiente sem falar de raça. Nas palavras do representante da Coalizão Negra Por Direitos, o historiador Douglas Belchior, trata-se de uma participação histórica do movimento. “Só é possível proteger o meio ambiente se a gente protege e garante a vida das pessoas, das comunidades, que com o seu modo de vida protegem os territórios, as águas, como fazem os povos indígenas do Brasil e os quilombolas”.


A coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos (CONAQ), Katia Penha, esteve presente na COP26. Em sua fala no pavilhão paralelo, ela destacou que os povos originários não são os responsáveis pela crise climática. “Afirmamos que soluções efetivas para redução das emissões de gases de efeito estufa residem na demarcação de terras indígenas e quilombolas; e na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais. Não são as populações negra, pobre, periférica, quilombola ou indígena, as responsáveis pelo agravamento da crise climática. Essas são as principais populações vulnerabilizadas pela irresponsabilidade de outros grupos sociais e econômicos”.


No Brasil, existem 3.475 comunidades quilombolas espalhadas pelo território nacional, segundo dados da Fundação Palmares. No entanto, menos de 7% destas áreas foram tituladas.


O racismo ambiental no contexto urbano também foi uma preocupação debatida durante a conferência. Para Raull Santiago, “justiça climática para a favela é o direito de viver”. Em entrevista para o Ecoa Uol, ele relata a forma como os direitos da população favelada ainda são negligenciados. “Quando a gente pensa justiça climática no lugar de onde eu venho, a gente está falando de uma série de fatores que não são discutidos e fazem a realidade da vida de quem vive onde eu vivo ser de violência, ser de desigualdade, ser de falta de sobrevivência como regra”, relata.


Para Douglas Belchior, espaços como a COP precisam se abrir de fato: “O povo mais pobre, o povo que sofre, tem que participar dos espaços de reflexão, discussão e de decisão. A gente espera que isso avance, que a gente não volte um passo atrás, que os próximos espaços de decisão e de reflexão sejam mais ocupados por esses atores”.


Construção de Apoio Internacional


A atuação das lideranças periféricas não se restringiu à agenda da COP26. A ida à Europa foi também uma oportunidade para estreitar laços com autoridades de outros países, que possam dar apoio às lutas feitas em solo brasileiro. Depois de Glasgow, a comitiva da quebrada esteve em cidades como Paris, Madri e Berlim.


Foi o caso do grupo formado pela Coalizão Negra Por Direitos, UneAfro e CONAQ, que seguiram para a capital francesa e se reuniram com o Vice-Prefeito da cidade, Jean-Luc Romero e a Vereadora Geneviève Garrigos. No encontro, a Prefeitura de Paris assumiu um compromisso de apoio político às bandeiras do movimento negro no Brasil, além de parcerias para campanhas futuras em defesa das águas. Importante ressaltar que Paris é uma das cidades que tem liderado o processo de reestatização dos serviços de água e saneamento no mundo.


Em Madrid, o grupo foi recebido pela parlamentar de origem brasileira Maria Dantas. Recentemente a deputada federal conseguiu aprovar uma moção de apoio às lutas por direitos humanos no Brasil. Na reunião que envolveu também outros parlamentares, discutiu-se a criação de documentos que deem suporte aos quilombolas e indígenas.


Enquanto isso, outra parte da comitiva seguiu para a Alemanha. O país tem uma importância estratégica para a defesa dos territórios dos povos originários, pois é responsável pelos recursos do Fundo da Amazônia. Em Berlim, firmou-se um acordo para que o novo governo alemão intervenha diretamente nos parâmetros de repasse do fundo, no sentido de que as organizações quilombolas, pesqueiras, marisqueiras, indígenas e demais populações tradicionais tenham acesso direto aos recursos, sem mediação do governo brasileiro. Outro compromisso assumido é para que haja uma pressão internacional no cumprimento do decreto 4887/03, que regulamenta a titulação de territórios quilombolas.


Nas palavras de Douglas Belchior, se houve algo de diferente nesta COP26 foi pela incidência dos movimentos da sociedade civil, sobretudo dos povos indígenas e movimento negro. “No caso do Brasil, conseguimos colocar esse debate na mesa e contribuir para que a COP fosse menos excludente”, afirmou.


Sobre o autor: Euro Mascarenhas Filho é jornalista e colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação, comunicador popular e autor do programa de podcast Antena Aberta.


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